O caos tributário e a MP do Bem
Gazeta Mercantil
9 de novembro de 2005 - Primeiro Carderno - Página A-8
Uma das mais respeitáveis autoridades da Receita Federal, o professor Paulo Ricardo de Souza Cardoso, contestou pesquisa realizada pela DOCS Inteligência Fiscal, junto a 250 empresas paulistas que faturam mais de R$ 100 milhões. Tal pesquisa mostrou viver, o Brasil, num caos tributário, raro sendo o contribuinte que consegue pagar todos os tributos e cumprir as incontáveis obrigações acessórias impostas pelo Fisco de todas as entidades federativas.
O levantamento da consultoria não difere daquele realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, que detectou, desde 1988, quando foi promulgada a atual Constituição, a publicação de 37 leis ou atos normativos, por dia!!! A própria lei suprema reflete este caos, pois já tem 54 emendas, em 17 anos, enquanto a Constituição americana tem apenas 26 em 218 anos de existência, sendo as 10 primeiras para introduzir 10 artigos dedicados aos direitos fundamentais!!!
Com o devido respeito ao mencionado técnico da Receita, não tem ele razão, visto que, ao dizer que o bom contribuinte cumpre bem as leis, não disse que são tantas as leis, que até os melhores especialistas têm dificuldade de acompanhar sua produção e aplicá-las corretamente. Eu, que há 47 anos atuo no campo tributário, conheço bem a Constituição e o Código Tributário Nacional, em face da inflação legislativa tributária, sou obrigado a reciclar-me diariamente para acompanhar a edição de normas — não poucas vezes com sérias dificuldades para tentar ordenar o caos em que a legislação se transformou. Já redigi mais de 600 pareceres, a esmagadora maioria sozinho e outros com professores e colegas, sobre questões polêmica, todos eles publicados como contribuição doutrinária para elucidação de problemas provocados pela desidratação legislativa nacional e pelas constantes maculações da lei suprema, perpetradas pelos governos das três esferas da Federação. Gostaria de ter escrito menos e que os contribuintes não tive sem a necessidade de contratar especialistas para elucidarem a desordem tributária reinante.
Mesmo S.Exa., o digno servidor, tenho a certeza que deve conhecer bem sua área de atuação, mas possivelmente tenha dificuldades de conhecer, pormenorizadamente, toda a legislação de estados e municípios. Tenho encontrado, inclusive — por ser o presidente de honra da comissão que outorga os prêmios distribuídos pelo Centro de Estudos da Fiscalização do Imposto de Renda, há mais de 10 anos — grandes conhecedores de direito tributário da Receita Federal, que são, todavia, especialistas nesta ou naquela área, como, por exemplo, meu colega de cátedra universitária, Ormezindo Ribeiro de Paiva, grande autoridade nas incidências de fonte. Todos eles, como eu, padecem das limitações próprias dos seres humanos comuns, que não conseguem ter um computador na cabeça e nem armazenarem informações disponíveis de imediato, à falta de “chips” cerebrais com estas características.
Somos todos limitados, enquanto a legislação tributária é ilimitada, devastadora, razão pela qual nós, os especialistas conhecemos as unhas gerais e somos obrigados a estudar cada conflito, cada problema, cada nova lei que surge diariamente. E, mesmo assim, jamais podemos dar uma orientação definitiva, dadas as imperfeições de que são revestidas as leis, feitas de afogadilho, muitas vezes incompatíveis com outras leis gerais ou especiais, complementares e com a própria lei suprema.
E estou falando de especialistas. Que dirá o contribuinte, que é obrigado a estar subordinado ao poder impositivo das três esferas da federação e a cumprir todas as leis por eles produzidas, aos borbotões, diariamente, na federação brasileira, não podendo jamais escusar-se sob o véu da ignorância. Este véu da ignorância é privilégio dos políticos, que podem fazer campanhas eleitorais não declarando o ‘caixa 2’, nem à Receita, nem à Justiça Eleitoral e que, depois, pretendem safar-se alegando uma canônica e olímpica ignorância de que tenham incorrido nessa “irregularidade”.
Os comuns mortais, todavia, não gozam nem dos conhecimentos dos especialistas, nem da ignorância dos políticos e são obrigados a obedecer rigorosamente todas as leis e atos normativos, que crescem em número de 37, todos os dias. Ser contribuinte no Brasil, com escorchante carga tributária e péssima qualidade dos serviços públicos — considerada a pior entre 117 nações do mundo, de acordo com o levantamento do Fórum Econômico Mundial — é ter, só por este motivo, perdoada parcela ponderável de seus pecados, a caminho da pátria celestial.
A MP do bem, para alguns setores, é, também, prova inequívoca deste caos, com seus 134 artigos elaborados às pressas. É prenhe de irregularidades, como a eliminação do planejamento tributário em exportações e a aceleração de cobranças de pendências com o Fisco, mesmo que as exigências sejam ilegais ou inconstitucionais, o que tem ocorrido com certa freqüência, como subproduto da produção legislativa federal. O texto da MP original tinha 74 artigos e foi aprovado com 134. Cento e trinta e quatro novas disposições tributárias, que os contribuintes terão que deglutir, e pelo açodamento do “contrabando legislativo” — termo usado pelos parlamentares para se referir aos acréscimos —, deverão estar eivados de maculações ao texto supremo e ao CTN.
Em que pese o profundo respeito que tenho por S.Exa., o secretário adjunto Paulo Ricardo Cardoso, estou convencido de que não está sendo coerente, ao dizer que a legislação brasileira tributária não é caótica e que o bom contribuinte não só a bem compreende, como a cumpre com facilidade. Infelizmente, o contribuinte está desorientado e não sabe fazer milagres, como Cristo o fez, para pagar seu tributo e o de Pedro — apesar de considerá-lo injusto.
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