Na escuridão do Cipoal
O Estado de São Paulo Edição 40917
27 de outubro de 2005 - Editorial - Página A3
As empresas brasileiras estariam em situação bem melhor se tivessem de suportar apenas uma das maiores e piores tributações do mundo. Mas não têm tanta sorte. Além de pagar impostos pesados, que encarecem a produção e dificultam a compra de máquinas e equipamentos, têm de gastar tempo, dinheiro e recursos humanos para decifrar a legislação, manter-se atualizadas e cuidar dos contatos com um Fisco excessivamente burocrático e intratável.
Não basta querer pagar impostos e cumprir a legislação, disse o presidente da DOCS Inteligência Fiscal, Fábio Ribeiro, citado em reportagem da Gazeta Mercantil. A burocracia e o sistema complicado tornam difícil manter-se em dia com o Fisco. Noventa e seis por cento de 250 empresas de São Paulo pesquisadas pela DOCS têm algum problema cadastral no Fisco. Também não basta o contribuinte querer resolver o problema.
A mesma reportagem cita o caso de uma empresa que descobriu um débito de R$ 98 ao pedir uma certidão negativa para escriturar um imóvel. Tentou pagar e não conseguiu, por falta de comunicação entre a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda. O débito aparecia em registros de um órgão mas não nos arquivos de outro. Até erros de digitação podem ocasionar processos longos e custosos, porque a antiga “revisão de ofício”, um procedimento administrativo, foi abandonado, segundo uma advogada citada na reportagem.
Tudo isso é parte do custo
Brasil, que envolve muitos outros aspectos da vida empresarial, desde o registro do negócio até o seu encerramento. Alguns Estados vêm procurando simplificar pelo menos o registro de nascimento da empresa, mas esse é um passo minúsculo diante do que é preciso fazer para reduzir o cipoal de leis e de regras burocráticas.
O Congresso e o processo legislativo também causam pesadelos ao empresariado brasileiro. Com a extinção da MP do Bem (MP 252), empresários e especialistas em tributação foram lançados no escuro.
Essa MP instituiu benefícios fiscais importantes para a exportação e para a compra de máquinas e equipamentos. Criou um referencial para decisões de longo alcance, mas de um dia para o outro os empresários ficaram sem saber se aquelas vantagens serão mantidas. Parlamentares de visão curta e um governo incapaz de negociar seus projetos no Congresso produziram a trapalhada. Congressistas decidiram adicionar à MP benefícios tributários que aumentariam pesadamente a renúncia fiscal.
Não entenderam que a MP representava um estímulo precioso para os exportadores e para os industriais dispostos a investir. Incapazes de avaliar o que interessa ao País, tentaram transformar a proposta numa árvore de Natal, para agradar a vários grupos de interesse. O governo reagiu, buscando compensar a perda não planejada de receita. O impasse liquidou a MP. Ela, no entanto, vigorou por quatro quatro meses e ainda produz efeitos. Mas o Congresso, mais uma vez, deixou de regular as conseqüências de uma MP perempta, desrespeitando o que diz expressamente a lei. O governo negocia, agora, a inclusão de regras da MP 252 na MP 255.
A instabilidade é tão ruim para os contribuintes e, portanto, para a economia, quanto a confusão das normas e o excesso de burocracia da Receita. Antes de estabelecer os benefícios previstos na MP do Bem, o governo havia aberto seu velho saco de maldades para aumentar impostos por meio da MP 232, corrigida, não muito tempo depois, pela de número 243.
Não há como planejar investimentos e definir estratégias de médio e de longo prazos quando a tributação, além de pesada, irracional e sujeita a uma administração burocrática e complicada, ainda sofre mudanças freqüentes. Nestas condições, é quase um milagre que os empresários ainda consigam exportar, ampliar a presença brasileira em vários mercados e definir rumos para suas atividades. Eles têm contra si um Executivo pantagruélico na arrecadação e ineficiente nas poucas medidas de apoio ao setor produtivo. Dependem de um Legislativo sem o mínimo compromisso com os objetivos da modernização e fortalecimento da economia. E têm de recorrer a um Judiciário lento e despreparado para a solução de conflitos numa sociedade complexa. Apesar disso, produzem.
Leia outra matérias
- A responsabilidade fiscal da empresa
- Valor Econômico – Caderno Legislação e Tributos - Página A2 - 16 de julho de 2006Leia mais
- O peso do caos tributário
- Revista Exame – Edição 849 - Página 100 – 17 de agosto de 2005Leia mais
- Pesquisa revela caos tributário no país
- Folha de São Paulo – Edição 27968 - Editorial - Página A3 - 27 de outubro de 2005Leia mais