Pesquisa revela caos tributário no país
Folha de São Paulo Edição 27968
29 de outubro de 2005 - Caderno Dinheiro - Página B1
Levantamento da consultoria Docs Inteligência Fiscal com 250 empresas paulistas que faturam mais de R$ 100 milhões por ano mostra que a relação delas com o fisco nunca foi tão ruim.
Quase todas as empresas —96% delas— informaram que têm alguma pendência com a Receita Federal, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo ou o INSS. Isto é, operam com alguma irregularidade tributária. Essa irregularidade, segundo informam, vai desde o simples erro de informações no cadastro do fisco — como o registro de sócios, endereços desatualizados e falhas no preenchimento de documentos — até dívidas tributárias. “A burocracia tributária é tão grande no país, por conta do excesso de normas e de obrigações dos contribuintes, que quase todas as 250 empresas consultadas operam com alguma irregularidade tributária”, diz Fábio Pereira Ribeiro, presidente da Docs.
Se a burocracia tributária cresce com o aumento de normas legais, é possível afirmar, na avaliação de Ribeiro, que a situação das empresas deve piorar quando o presidente Lula sancionar a chamada “MP do Bem”, aprovada anteontem pelo Congresso.
A “MP do Bem”, que estabelece benefícios fiscais para vários setores, nasceu com 74 artigos, mas foi aprovada com 134 artigos. “Nunca vi uma medida provisória tratar de tantos setores de uma só vez no mundo. Vai entrar para o ‘Guiness’ [o livro dos recordes]”, afirma Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal.
A Docs colhe informações de empresas para identificar a percepção delas sobre a burocracia fiscal brasileira desde 2002.0 último levantamento foi feito em julho e agosto deste ano com indústrias de vários setores, como o automobilístico, além de empresas comerciais e de serviços.
“Posso afirmar que a visão delas sobre o fisco tem piorado a cada ano. Acontece que, geralmente, o fisco tem uma interpretação de uma norma, e a empresa, outra. Isso trava os processos e resulta em irregularidade fiscal”, afirma.
Falta de recolhimento de tributos, erros nas declarações de débitos e créditos tributários federais e a não-entrega de declarações nos prazos são alguns dos motivos que levaram 93,6% das 250 empresas consultadas pela Docs a receber entre 21 e 50 autuações cada uma no ano passado. A maioria das autuações foi encaminhada por sistema eletrônico.
O levantamento da consultoria também constatou que 80% das empresas consultadas enviam três vezes por semana funcionários às repartições públicas. “Isso demonstra a necessidade de acompanhamento de processos e o problema que é atender às questões fiscais. E as empresas têm de arcar com custos de advogados para atender à demanda fiscal”.
Clóvis Panzarini, ex-coordenador da Administração Tributária da Fazenda paulista, diz que ele mesmo, se fosse ouvido para esse levantamento, diria que está irregular com o fisco. “Mudei meu escritório do quarto para o sétimo andar do mesmo prédio há quatro meses e, até agora, por causa da greve da Receita, não atualizei meu cadastro. Não vou fechar o escritório porque o fisco não atualiza meu cadastro.”
O levantamento da Docs mostra, segundo Panzarini, que, por falta de mão-de-obra, o fisco só fiscaliza os grandes contribuintes, que representam a maior parte da arrecadação. “Isso reflete a incapacidade do fisco de atender a demanda do contribuinte, que fica em situação irregular e vulnerável à ação fiscal na medida em que não consegue se atualizar. Como é em cima desses grandes que se concentra o poder de fogo do fisco, cria-se essa situação dramática: uma empresa receber até 50 autuações em um ano.” O sistema tributário do país, na avaliação de Panzarini, é complexo, ineficiente e injusto. “E os próprios operadores do sistema têm um comportamento que toma essa situação ainda pior. Os maiores contribuintes são os mais punidos. Sem contar que a falta de mão-de-obra acaba resultando em mal atendimento ao público.”
Para 67,2% das empresas consultadas, o atendimento por funcionários do fisco é “péssimo” e “confuso”; para 12%, “regular”; para 20%, “bom”, e, para 0,8%, “ótimo” e “completo”. O levantamento também identifica que 8% das empresas consideram-se perseguidas ao comentarem o relacionamento delas com o fisco.
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