Empresa paga o mesmo imposto duas vezes
Gazeta Mercantil
25 de outubro de 2005 - Primeira Página
A burocracia fiscal está levando à perda de oportunidades de negócios pelo setor privado. As perdas não param por aí. O presidente da DOCS Inteligência Fiscal, Fábio Ribeiro, estima que funcionários que trabalham para cuidar da parte fiscal e tributária representam 30% da folha de pagamento das grandes empresas.
O advogado Luiz Fernando Oshiro, do Moreau Advogadas, defende um cliente que deixou de participar de 30 licitações devido a um débito com a Receita Federal que diz ser indevido. Caso semelhante é o da Medtronic, fabricante de equipamentos médicos de alta tecnologia que fatura cerca de R$ 100 milhões ao ano.
Segundo o diretor Caio Ortiz Kugelmas, a empresa quase perdeu uma licitação de R$ 500 mil, pois não constava na Receita o pagamento de uma Darf de R$ 100. “Segundo a Receita Federal, a Darf não teria sido enviada pelo banco. Por isso, para não perder a licitação, recolhemos o mesmo imposto duas vezes.”
Como o cruzamento das informações é feito eletronicamente, quando ocorre qualquer erro no preenchimento da Darf, ainda que haja o pagamento, o caso é encaminhado para a Procuradoria da Fazenda. “Mas a empresa só fica sabendo que está em situação irregular quando precisa da CND (Certidão Negativa de Débito)”, diz Kugelmas.
Empresas preenchem até 300 Darfs por mês e funcionários são contratados só para conferir guias Além disso, Caio Ortiz Kugelmas, lembra que as empresas têm que preencher 200 e 300 Darfs por mês. “A complexidade aumenta a probabilidade de erros e nós temos um funcionário só para verificar se os formulários foram preenchidos corretamente. Isso, com certeza aumenta o custo brasil”, diz o executivo. Outra dificuldade, segundo Caio Kugelmas, é saber como a Receita está vendo a empresa. “Eu sei que os impostos estão pagos, mas o difícil é saber se isso está constando corretamente na Receita”, explica. Diante disso, o executivo afirma que contratou uma empresa só para verificar junto à Receita Federal qual a situação da sua empresa. “Contratamos um consultor que faz o papel da Receita. O sistema é muito oneroso”, afirma. “As empresas querem atender à legislação, mas é difícil por conta da burocracia”, afirma Fábio Ribeiro, da DOCS.
Toda essa burocracia e os débitos indevidos levam empresas a perderem licitações e contratos. Muitas vezes, não resta outra alternativa senão o Judiciário para discutir supostos débitos de tributos já pagos. Só que esta alternativa causa, além dos gastos óbvios, prejuízos comerciais, operacionais e outros.
Não há um meio adequado para requerer a baixa do débito ainda em esfera administrativa. Na Receita, só existe a oportunidade de defesa prévia para o cruzamento de informações (divergências em valores declarados). Já quando o Fisco simplesmente acha que o contribuinte não pagou um tributo auferido, não adianta mostrar comprovante de que os impostos foram pagos, é quase impossível anular o débito mesmo advogado Luiz Fernando Oshiro, do escritório Moreau Advogados.
Segundo Oshiro, os procedimentos para tentar anular o débito são todos judiciais. A empresa pode entrar com um pedido de mandado de segurança para obter a CND, mas este mandado servirá apenas para apenas para aquela urgência, “Para recorrer do débito em si, o contribuinte pode aguardar que a Receita ajuíze a execução fiscal — mas para se defender o contribuinte terá de oferecer algum bem em garantia — ou pode entrar, antes do ajuizamento da Receita, com uma ação anulatória de débito fiscal — mas para isso é preciso depositar em Juízo o valor integral do suposto débito”, esclarece.
O tributarista Edson Carvalho, da Directa Tax Service, também possui casos de diversos clientes que foram prejudicados pela burocracia da Receita Federal. “Tenho uma imobiliária que precisou da CND para escriturar um imóvel e descobriu que tinha um débito de RS 98. O valor é ínfimo, mas a empresa não consegue pagar por falta de comunicação entre a Receita e a Procuradoria. O débito consta apenas nos arquivos de um órgão e, por isso, o outro não aceita o pagamento”, comenta o especialista.
Edson Carvalho tem ainda outros clientes do setor de autopeças e indústrias químicas, que importam grandes quantidades de matéria-prima e insumos, e precisam da CND para realizar as operações de importação. “O problema é que a DCTF é complexa e extensa, o que gera diversos erros de processamento.”
Segundo dados da própria Receita, são mais de 70 mil empresas autuadas por ano por erro nas informações enviadas ao órgão. Assim, muitas empresas que se esforçam para estar em situação regular com o Fisco, acabam irregulares por acidente”, diz. “Sair da dívida ativa é muito mais difícil que entrar, mesmo estando disposto a pagar.”
Especialistas afirmam também a Receita Federal “passaria por cima da defesa prévia e adiantar procedimentos sem que outros tenham sido cumpridos”. Os procedimentos administrativos do Fisco deveriam antecipar qualquer outro ato. No entanto, devido à demora no próprio processo administrativo, para que o débito não prescreva, o Fisco estaria realizando, muitas vezes, todos os procedimentos ao mesmo tempo: administrativo, acautelatório e judicial. Porém, explicam os especialistas, o procedimento administrativo é a etapa onde o contribuinte deve se defender, e até mesmo comprovar a não existência do débito.
De acordo com a advogada Denise Aquino Costa, do Martinelli Advocacia Empresarial, muitos contribuintes tomam conhecimento de supostos débitos com a Receita apenas quando solicitam a CND, ou após receber os avisos de cobrança emitidos pela Procuradoria de Fazenda. “Erros, que às vezes são até mesmo de digitação ou transcrição, que eram facilmente solucionados na ‘revisão de ofício (procedimento administrativo deixado de lado), acabam indo direto para a via judicial”, comenta a especialista.
A Receita Federal foi procurada, mas até o fechamento dessa edição não havia retomado.
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