O cerco asfixiante da Receita

Gazeta Mercantil

26 de outubro de 2005 - Caderno Legislação - Página A2

Logo Forbes O apetite eternamente insatisfeito da Receita Federal é bastante conhecido. Porém, quando a burocracia para pagar imposto cresce tanto, a ponto de atingir a capacidade da empresa de gerar renda para ser tributada, é preciso lembrar que matar a galinha dos ovos de ouro não é bom negócio.

Segundo estudo de empresa especializada, a DOCS Inteligência Fiscal, os funcionários que cuidam da parte tributária e fiscal das grandes empresas já representam 30% da folha de pagamento. Ou seja, um terço dos custos da mão-de-obra dessas empresas não está voltado mais à atividade fim. São apenas “custos” que sustentam o atendimento das vontades do “coletor”!

Essa situação se justifica. Um fabricante de equipamentos médicos de alta tecnologia, que fatura cerca de R$ 100 milhões ao ano, quase perdeu licitação no valor de R$ 500 mil porque na Receita não constava o pagamento de uma Darf de R$ 100. Resultado: como a Receita argumentava que a competente quitação do Fisco não fora enviada pelo banco, para não perder a licitação a empresa pagou o imposto duas vezes. E o pior é que a punição pelo erro que não é do contribuinte é prévia: a empresa só fica sabendo que está irregular quando precisa da Certidão Negativa de Débito (CND). E aí pode ser tarde demais!

Cumprir obrigações com o Fisco pode virar autêntico inferno kafkaniano. Como uma empresa média deve preencher de 200 a 300 Darfs por mês, o difícil é saber se a Receita está “informada” do pagamento. Pode parecer uma cena de teatro do absurdo, mas muitas empresas contrataram consultores para “fazer o papel da Receita”, com todas as suas deficiências e burocracias, para tentar antecipar problemas. A Receita não esconde que são mais de 70 mil autuações por ano, por erro nas informações enviadas ao órgão.

Como o processo administrativo pode ser muito demorado, o Fisco acaba realizando todos os procedimentos de uma única vez: o administrativo, o acautelatório e o judicial. Como, para a Receita, só existe oportunidade de defesa prévia para cruzamento de informação (quando há divergências nos valores declarados), provar que determinado débito não existe independe de procedimento administrativo. Ou seja: se o Fisco acha que o contribuinte não pagou, não adianta mostrar comprovante.

Aliás, essa etapa administrativa, a que permite a prova, desapareceu. Resultado: acusado de um débito de imposto que já pagou, como o procedimento é demorado e caro, com advogado, fica mais barato ao contribuinte pagar o imposto de novo.

Há flagrante inconstitucionalidade nesse procedimento da Receita. Direito de defesa, garantido pelo artigo 88 da Constituição Federal, assegura a qualquer litigante a defesa na esfera administrativa e depois na judicial. A importância desse “direito” é de tal ordem que ele é “cláusula pétrea”, não pode ser objeto de emenda constitucional. Esse direito vira pura fantasia nos corredores burocráticos da Receita. Para fazer valer esse direito é preciso procurar a Justiça, com todos os custos implícitos.

Do total das autuações, 20% são pagas em menos de um ano, no valor estabelecido pelo Fisco. O restante é contestado e lançado na dívida ativa da União, para cobrança judicial. Entre 2002 e 2004, o estoque de débitos tributários passou de R$ 174 bilhões para R$ 240 bilhões, 34% a mais. No ano passado, as autuações da Receita totalizaram R$ 78,9 bilhões, 53% maior que em 2003, com R$ 51,96 bilhões. Entre um ano e eoutro diminuiu o número de contribuintes fiscalizados: em 2004, 59.030, e em 2003, 68.392.

O próprio Fisco reconhece que a ação dos fiscais se concentrou nos segmentos econômicos com histórico pior com impostos. Isto é, escolheram-se alvos preferenciais para fiscalizar. Portanto, a sonegação como um todo, enquanto possibilidade efetiva, apenas não foi combatida.

Sustentar uma burocracia crescente e ineficiente na coleta de imposto não é inteligente. Retirar da produção um terço da folha de pagamento para “entender” a vontade do burocrata é pura irracionalidade econômica. Essa situação nada tem a ver com arrecadação sensata. E não pode perdurar.

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